Esta postagem é a 2ª Avaliação de Filosofia do Direito II cuja nota é 10.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Faculdade de Direito
Disciplina:
Filosofia do Direito II - 2021.2
Prof.
Bethânia Assy
Estagiária Docente: Jade Dalfior (mestranda PPGDir)
Aluno:
Wagner Azevedo Pereira Matr. 201620555811
- Cada
resposta tem o limite máximo de 2 páginas e deve cumprir a formatação exigida:
espaçamento 1,5, fonte times new roman, tamanho 12;
- Todas as respostas devem
ser devidamente fundamentadas e dirigidas
ao que está sendo perguntado. Atenção a todos os itens solicitados pelas
questões;
- As respostas devem apresentar fontes bibliográficas para além das indicadas na ementa. A presença de bibliografia será avaliada e pontuada.
1 - Disserte sobre as aproximações e distinções entre as teorias de Walter Benjamin e Giorgio Agamben no que diz respeito ao Estado de Exceção.
R. Giorgio Agamben aborda o estado de exceção comentando sobre aspectos ocorridos desde a Roma Antiga e que tal procedimento é uma forma paradigmática de aporia e que a teoria atual não consegue explicar. O filósofo esclarece as características do iustitium apresentado na monografia de Nilssen: “... enquanto [o iustitium] efetua uma interrupção e uma suspensão de toda ordem jurídica, não pode ser interpretado segundo o paradigma da ditadura[1]”. (AGAMBEN, 2004, p. 74). Na constituição romana, o ditador era um magistrado escolhido pelos cônsules e possuía alguns objetivos a cumprir, conferido por uma lex curiata. O poder ilimitado que gozavam não vinha de uma atribuição império-ditatorial, e sim, da suspensão das leis que impediam sua ação. Mommsen e Plauman (1913, apud AGAMBEN, p. 75) diziam que o que havia era uma “quase ditadura”, mas o “quase” é um equívoco, para Agamben. Entretanto, havia interesse nesse equívoco para justificar judicialmente o estado de exceção, à revelia de restituir “ao seu autêntico, mas obscuro paradigma genealógico no direito romano: o iustitium era obscuro”. (id., ibid.). Hoje também há confusão sobre estado de exceção e ditadura.
O filósofo aborda também o debate entre Walter
Benjamin e Carl Schmitt. Na leitura do ensaio benjaminiana de “Crítica da
violência: crítica do poder”[2].
Nele Benjamim comenta sobre a possibilidade de uma violência absolutamente
“fora” e “além” do direito e que nesse aspecto quebra a dialética entre a
violência que funda o direito e a conserva. Seria uma violência “pura” ou
“divina” e de “revolucionária”, esta na esfera humana. Continua a dizer que o
direito não pode tolerar uma violência fora do direito. E prova:
“Se à violência for garantida uma
realidade também além do direito, como violência puramente imediata, ficará
demonstrada igualmente a possibilidade da violência revolucionária, que o nome
a ser dado à suprema manifestação de violência pura por parte do homem.”
(BENJAMIN, 1921, p. 202)
Tal violência depõe o direito. Benjamin não usa a expressão “estado de exceção”, e sim Ernstfall (emergência).
Schmitt desenvolve na obra Politische Theologie “A doutrina da sabedoria” como uma resposta precisa ao ensaio de Benjamin. Ele traz a violência para o contexto jurídico. Diz que não existe uma violência pura, fora do direito, e, ela está incluída no direito pela sua própria exclusão. “O estado de exceção é, pois, o dispositivo por meio do qual Smith responde à afirmação benjaminiana de uma ação humana inteiramente anômica”. (AGAMBEN, 2004, p. 86).
Há relação estreita entre os dois textos, mas Smith
abandonou a distinção entre o poder constituinte e o poder constituído, base da
ditadura soberana e as substituiu por decisão. Isso em um sentido estratégico
pode ser considerado um contra-ataque à crítica de Benjamin e afirma a soberania
como lugar da decisão extrema “E assim como violência pura, para Benjamin, não
poderia ser reconhecida como tal através de uma decisão.” (id., ibid., 87).
Para Schmitt, a decisão é o elo que
une soberania e estado de exceção; para Benjamin, de forma irônica, separa o
poder soberano de seu exercício. Para Benjamin a violência é sempre
mítico-jurídica é sempre um meio relativo a um fim e a violência pura nunca é
um meio legítimo ou ilegítimo.
[1] Ditadura
é tirania, forma de governo autoritário que nasce da crise da democracia.
Embora, alguns governadores como Hitler, Mussolini e Franco sejam considerados
ditadores, tecnicamente eles não o eram, pois agiam legalmente, com o respaldo
da lei. O que os definem como fascistas e nazistas é que renegaram as
constituições vigentes para se utilizarem de um parâmetro governamental, não
formalizada judicialmente.
[2] Ensaio publicado em 1921 na revista Archiv für Sozialwissenschaften und
Sozialpolitik, nº 47, codirigida por Emil Lederer.
2 - A partir das observações de Jacques Derrida em “Força de Lei”, explique detalhadamente por que o filósofo considera que o Direito tem um fundamento místico.
R. Derrida é conhecido como o criador da desconstrução do etnocentrismo. Ele olha para todas as ordens instituídas que partem de uma essência e lhes traz um abalo, não para destruí-las, mas para questioná-las. Seu pensamento é de aporia[1]. Ele proporá novos conceitos ao que já está conceituado.
Quando ele faz a desconstrução, ele
está invertendo o deslocamento da lógica da identidade de uma hierarquia e o
deslocamento dessa ordem.
Força da lei é a relação entre
justiça e Direito. “O Direito é sempre uma força autorizada, uma força que se
justifica ou que tem aplicação justificada”. (DERRIDA. Força de Lei, p. 8). A distinção entre justiça e lei Derrida observou
nas obras de Montaige (Ensaios) e
Pascal (Pensamentos) que utilizam a
expressão “fundamento místico da autoridade” e disse que não obedecemos às leis
porque elas são justas, mas sim, porque elas impõem autoridade.
O fundamento do Direito é sempre feito através da
violência, porque ele sempre vai trazer uma ruptura. Qualquer criação de algo
novo traz ruptura com o velho. E qualquer ruptura é violenta, porque precisa da
força para que aquela ocorra. O fundamento pelo qual obedecemos às normas é por
causa da crença de que a norma é norma, de que o Direito é Direito, porque
acreditamos, nada mais que isso. Não é um fundamento racional, mas místico de
autoridade. A relação do fundamento do Direito que vem pela força, tem uma relação com justiça porque esta
precisa da força para ser concretizada. A justiça não é força, mas ela só
funciona se houver força. Ambas precisam andar juntas. Para Derrida a justiça
não pode ser definida, é algo inalcançável. Classificar a justiça seria uma
forma de “trair” a própria ideia de justiça que atua por meio de
indeterminações. Isso não quer dizer que a justiça é o que cada pessoa acha que
ela é, e sim que nada do que cada um acha é suficiente para defini-la. Mas ela
precisa se concretizar e é aí que entra o Direito, a relação entre ambas. A
estagiária Jade deu o seguinte exemplo concreto: no caso de responsabilidade
civil, uma pessoa perde a vida num acidente de trabalho; por algum motivo o
Estado foi responsável por uma morte. A família dessa pessoa entrará na justiça
com uma ação de responsabilidade por danos morais. O juiz vai estabelecer um
valor, mas uma vida não é medida em valor de dinheiro. Um juiz não sabe como
avaliar uma vida na hora julgar um valor de indenização. Entretanto, ele poderá
fixar determinado valor para que haja uma reparação, não fique em vão o
ocorrido, pois pior seria se não houvesse nenhum tipo de punição a outrem. Podemos
perceber que fazer cálculo (em dinheiro) para “reparar” uma vida perdida é uma
violência, mas necessária, precisa ser realizada. Importa entender que o
Direito sendo manifesto através de uma violência sem fundamento, não se revelam
leis ilegais. O Direito futuro poderá justificar a posteriori tais ordens.
No ensaio Para
uma crítica da violência, Benjamin diz que todas as formas de autoridade
está relacionada ao conceito de violência e esta funda o Direito e mantém-na. A
violência que funda algo, traz uma ruptura; tenta inaugurar o novo, mas sempre
trará vestígio do velho. Tal evento pode ser bom ou perverso. O nazismo é um
exemplo de ter sido uma novidade, vinda do Direito, mas uma novidade perversa. “O
maior perigo à existência do Direito emerge no interior do próprio Direito” (NEGRIS, 2016, p. 156).
Para Derrida a justiça não pode ser definida, nada do
que qualquer pessoa acha sobre ela, será suficiente para defini-la. A justiça é
indeterminada. Precisa se concretizar por meio do Direito.
Derrida não é um autor da utopia, mas nos dá esperança
no sentido de que sempre se precisa manter o “apelo” à justiça, sabendo que ela
nunca será alcançada porque qualquer decisão que a justiça tome já é violento. O
místico é um rótulo que se caracteriza pela impossibilidade de justificativa da
fundação do Direito e de não conseguir apresentar elemento adequado para se
julgar a violência.
[1] História da Filosofia, Conflito entre opiniões contrárias e
igualmente concluentes, em resposta a uma mesma questão. (Dicionário
Aurélio)
3 - Com base nos escritos de Lélia Gonzalez, descreva a relação dialética entre consciência e memória e seus efeitos sobre a história de violência contra os corpos negros no Brasil.
R. A relação dialética que ocorre com as noções de consciência e de memória assim podem ser apresentadas: com a consciência está o “lugar do desconhecimento, do encobrimento, da alienação, do esquecimento e até do saber”; com a memória, podemos ver a vida restituída numa história que não foi escrita, o lugar que clama por verdade. É na consciência que o discurso ideológico se sobressai, oculta a memória e se faz presente em determinada cultura, como imposição verdadeira. O racismo é estrutural e está no sangue do povo brasileiro desde sempre, inclusive entre alguns negros.
O tráfico negreiro iniciou-se
no Brasil por volta da década de 1530 e durou mais de três séculos. A abolição da escravatura ocorreu só em
13 de maio de 1888 e por forte pressão da Inglaterra, sendo o último país do
mundo a realizar tal feito.
Em todos os estudos da história do Brasil vemos como a vida do negro foi sofrida. Já em sua vinda forçada nos navios negreiros, da África para o Brasil, muitos morriam na travessia, após ficarem doentes por causa dos porões insalubres dos navios. Essa tragédia humana durava entre 30 a 40 dias no mar e já demonstrava o que estaria por vir em terra firme a quem sobrevivesse ao flagelo marítimo. Emanuel Araújo afirma (2007, p.5): “Tudo isso é memória. Tudo isso faz parte da nossa história. Uma história escamoteada que já não poderá mais ficar esquecida pela história oficial”. Os escravos nunca viveram com dignidade, mas foram jogados aos trabalhos vigiados, torturados e sofreram diversas formas de humilhação, como serem separados de seus familiares e de grupos linguísticos, para que fosse dificultado a comunicação e evitar que se organizassem em fugas ou rebeliões. Eles sofriam na alma sob uma aparente passividade nas senzalas. Alguns suicidavam. Ademar Vidal (1940, p. 1937) afirma que: “A comida era jogada ao chão. Seminus, os escravos se apoderavam num salto de gato, comida misturada com areia, engolindo tudo sem mastigar porque não havia tempo a esperar diante dos mais espertos e mais vorazes”.
No século XIX o poeta Castro Alves (1847-1871), após ver in loco tamanha crueldade pelo qual passavam os negros, até fez uma Apóstrofe [1] (vocativo em itálico) no poema “Vozes d’África” (s/d., p. 99):
“…Ó Deus! Onde
estás que não respondes?
Em que mundo, em que
estrela, Tu t’escondes?
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito
Onde estás, Senhor
Deus?...”
O poeta apela, grita por
Deus, implora que Ele venha em socorro da África e de seus filhos escravizados.
No pós-abolicionismo, o escritor Dorival Caymmi e o escritor Jorge Amado compuseram a canção “Retirantes (Vida de negro)” e a lançaram em 1976 para ser trilha da novela da TV Globo “Escrava Isaura”, cujo primeiro verso diz: “Vida de negro é difícil é difícil como o quê”. A dificuldade da vida do negro permanece até os dias atuais no seu ingresso e permanência nos bancos escolares e na inserção social. Mas muito já se avançou. Através dos movimentos negros, suas vozes se fazem ouvir, não se aceita mais calado agressões de quaisquer formas da classe dominante, pelo amparo da lei sobre injúria racial e racismo. O primeiro consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Está contido no artigo 140, parágrafo 3º do CP, e estabelece pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. O segundo, o racismo, está no Artigo 20 da Lei nº 7.716 de 05 de Janeiro de 1989: implica em conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos, atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. E para sempre lembrarmos das atrocidades dos nossos antepassados, foi criada a Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, que se refere ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro. Lembra-se neste dia a morte de Zumbi [2].
O Brasil sempre teve fama de país pacífico, que
agrega todos os povos e não tem preconceito com nada. O que não é verdade. O
momento político em que o Brasil atravessa desmente tudo isso. Até o nazismo
deu as caras, por influência de um governo louco. E o mais triste é ver negros,
homossexuais, mulheres e pobres, que são os excluídos da sociedade como um
todo, apoiar o massacre deles mesmos. A mídia, em geral, tem grande parcela de
culpa pela situação catastrófica pelo qual passa o Brasil. Muitos jornalistas
passaram a influenciar com suas opiniões distorcidas da realidade o povo, não
só os menos instruídos, como muitos com estudos e titulação acadêmica. A
alienação chegou a um grau absurdo e insuportável.
[1] Figura do chamamento, da invocação. É a forma de exteriorizar a voz que chama, que grita, que fala, enfatizando seu chamado. Dentre as figuras de Linguagem é uma das mais fáceis de se identificar, pois, não deixa dúvidas. Revela-se por meio do vocativo.
[2] Um negro líder do Quilombo dos Palmares (localizado entre os Estados de Alagoas e Pernambuco), no Nordeste do Brasil. Ele foi morto por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho, em 1695.
Referências Bibliográficas
AGAMBEN,
Giorgio. Estado de exceção. Trad.:
Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004 (Estado de sítio).
APÓSTROFE.
Disponível em: < https://www.figuradelinguagem.com/apostrofe/
>. Acesso em 31/10/2021.
ARAUJO, Emanoel. Viva cultura, viva o povo brasileiro.
Museu Nacional: São Paulo, 2007.
BENJAMIN, Walter.
“Zur Kritik der Gewalt”. In: ______. Gesammelte
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Bolle. São Paulo: Cultrix, 1986].
CASTRO
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FERNANDES, F. O negro no mundo dos brancos. São Paulo:
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FERREIRA, Aurélio Buarque de
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NEGRIS, Adriano. Violência sem fundamento: a origem da
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PEREIRA,
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díficil é dificil como o quê?. Revista
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SOUZA, Marina de
Mello e. África e Brasil Africano.
Ática: São Paulo: 2008.
VIDAL, Ademar. Mundo livre: Estudos sobre o Continente
Americano e Outros Estudos. Editora: Rio de Janeiro, 1940.
Crédito da canções
Retirantes (Vida de negro) (Dorival
Caymmi / Jorge Amado), MPB, 1976, gravação de Dorival Caymmi, Som Livre, LP “Escrava Isaura – Trilha sonora original da novela”.
Revanche (Lobão / Bernardo
Vilhena), pop, 1985, gravação de Lobão, RCA, LP “O rock errou”.
© 2021 Todos os direitos reservados a Wagner Azevedo Pereira (Este texto não pode ser publicado total ou parcial, de qualquer forma ou por nenhum meio sem a autorização do autor – Sujeito às penalidades da Lei nº 9.610/98).
R.
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