terça-feira, 31 de maio de 2022

 Esta postagem é a 2ª Avaliação de Mediciana Legal I cuja nota é 10.


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Faculdade de Direito  

Disciplina: Medicina Legal I - 2022.1

Prof. Nelson Massini

Aluno: Wagner Azevedo Pereira Matr. 201620555811


SÍNDROME DA CRIANÇA MALTRATADA/ESPANCADA


Introdução


Este trabalho tem o objetivo de mostrar que a criança sofre maus tratos ao longo da História a Humanidade. Alguns registros chegaram até nós, mas com certeza muitas barbaridades permanecem desconhecidas ou estão ocultas. Hoje temos mecanismos jurídicos para inibir as atrocidades e covardias contra elas e devemos cada um de nós ficar atentos para alertar a sociedade, a todos os que trabalham com crianças e principalmente os médicos que as atendem em pronto-socorro, a partir da suspeita, que se faça denúncia aos órgãos responsáveis, sob pena de responsabilidade de omissão; os possíveis agressores devem ser investigados e, com a confirmação, punidos. Conceituremos essa problemática, a importância do médico-legal nos casos e como eles podem ser constatados.


Conceito


A síndrome da criança maltratada/espancada é caracterizada quando a criança é vítima de deliberado trauma físico provocado por uma ou outras pessoas responsáveis por seu cuidado.

Somente em São Paulo aproximadamente 750 crianças sofreram violência por hora em, dentro de casa, 110 foram vitimadas por espancamento e morreram, no ano de 1994, segundo o médico Uchôa1. E nos EUA o número é bem maior: cerca de 10.000 crianças nessa situação e que a incidência tende a aumentar, segundo a Associação Humanitária Americana em trabalhos realizados por Rheingold. A faixa etária de 55% das vítimas apresentam idade inferior a 4 anos. Em 75% dos casos são apontados os pais isoladamente ou em conjunto por essa tragédia, em estudos conduzidos por Kempe. Com relação às circunstâncias, as crianças apresentavam quadro de lesões diversas: injúrias, golpes diversos, traumatismos, sendo que em 25% casos levaram-nos à morte.


Síndrome de Caffey-Silverman


A Síndrome de Caffey-Silverman ou hiperostose cortical infantil é uma lesão clínica-patológica incomum de etiologia desconhecida e histogênese incerta (Stiller, D. Zentralabl Allg Pathol 1990; 136(1-2): 151-69), mas foi sugerido que a hiperostose cortical infantil pode ser uma osteogisgenia embrionária consequente a um defeito local do suprimento sanguíneo da área. Há outras teorias, como a propôs se tratar de um defeito hereditário das arteríolas que suprem a partes afetadas, resultando em hipóxia que produz necrose focal dos tecidos moles suprajacentes e proliferação do periósteo. E ainda sugerem que seja um padrão hereditário, com caráter autossômico dominante com penetrância incompleta. Clinicamente, a doença evidencia-se por desenvolvimento de tumefações sensíveis dos tecidos moles, de forma profunda, e espessamento cortical ou hiperostose que envolve alguns ossos. Ela surge comumente nos três primeiros anos de vida e amiúde os ossos afetados são a mandíbula e as clavículas. Entretanto, essa síndrome da criança espancada foi reconhecida por Tardieu, em 1960, como entidade clínica e foi Caffey quem a relatou em 1946 os primeiros 6 casos de fraturas múltiplas de ossos longos associadas a hematoma subdural crônico. Alguns anos após, Silverman relatou caso semelhante definido claramente como lesão traumática. A expressão síndrome da criança espancada foi utilizada pela primeira vez em 1962 por Kempe e col. Eles recebiam um grande número de crianças vítimas de traumas de origem desconhecida pela história clínica e ficaram alarmados. Salienta-se que existem diversas maneiras de agressão nessa síndrome: na maioria das vezes os agressores são os próprios pais; outras, por terceiros (menores de idade, deficientes mentais e babás mal preparadas) que tomam conta dessas crianças.


A importância do médico-legal


É de extrema importância o papel do médico no combate a esse problema e veremos como proceder diante da suspeita de maus-tratos sofrido por crianças. Antes veremos como as crianças passaram ao longo da História da Humanidade.

Em algumas épocas, houve legitimação e até legalização dos maus tratos infantis. Na civilização hebraica do século XIII a.C. havia uma lei que punia filhos considerados rebeldes, com penas severas como apedrejamento, de acordo com a decisão do conselho, que intervia quando os pais não conseguiam cumprir os atos instruídos. No império greco-romano, havia o infanticídio para crianças portadoras de deficiências ou, simplesmente, indesejadas e indisciplinadas. Em algumas tribos da América do Sul também havia infanticídio, como costume, para a criança que nascesse portadora de deficiência física. Além da punição através de instrumentos jurídicos, várias religiões e mitologias, subjugavam as crianças como seres inferiores e há relatos de violências contra elas: o Gênesis do judaísmo mostra que Abraão quase sacrificou o próprio filho; na mitologia grega, Crono, pai de Zeus, matou seus cinco primeiros filhos; no México, índios ofereciam a vida de crianças aos deuses em troca de uma boa colheita. O teólogo Santo Agostinho propagava que as crianças eram um símbolo da força do mal. Na era moderna, os castigos corporais contra as crianças eram permitidos até pouco tempo em todo o mundo. Com uma votação acirrada no Congresso londrino, tal prática só foi abolida em 1985 e, nos EUA, até a década de sessenta do século XX, as crianças negras apanhavam constantemente. Embora hoje tudo isso sejam coisas do passado abandonadas por força de leis, muitas pessoas ainda espancam e dizem que assim fizeram para educá-las. Quem for pego cometendo esse crime responderá à Justiça.


Formas de constatação


O primeiro registro de que houve consequências a quem maltratou criança ocorreu em Nova Iorque (EUA) em 1874, com o caso da menina Mary Ellen Wilson que fora abandonada pela mãe e depois perdeu o pai na Guerra Civil. Ela acabou por ficar aos cuidados da madrasta e seu cônjuge que espancavam.

Foi o médico forense francês Ambroise Auguste Tardieu quem registrou pela primeira vez, em 1860, a expressão “criança espancada”, em um trabalho a partir do estudo de dezoito óbitos infantis cujas lesões (queimaduras, fraturas e equimoses sendo as mais frequentes) não correspondiam à história coletada no atendimento. E a Síndrome da Criança Espancada foi reconhecida pela Academia Americana de Pediatria em 1962, quando mencionada em um trabalho dos médicos Henry Kempe e F. Silvermann. Foram observados ferimentos graves de épocas diferentes em crianças de pouca idade, com explicações inadequadas dadas pelos responsáveis e com diagnóstico baseado em achados clínicos e radiológicos.

No Brasil, quando o primeiro caso de espancamento infantil foi descrito em 1973 por um professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, as autoridades começaram a se procupar em preteger as crianças e foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, um código responsável por proteção integral e assegurar direitos à população infantojuvenil.


Conclusão


Segundo a pesquisadora Laura Luise: “Cerca de 50% das crianças que voltam para casa voltam a ser espancadas e 20% delas acabam morrendo”. Diante de casos suspeitos e/ou de confirmação de maus tratos contra crianças e adolescentes onde forem atendidos, tanto em sistema público quanto em particular, deve-se comunicara aos órgãos competentes: ao Conselho Tutelar, à Delegacia de Polícia e ao Ministério Público (Promotoria de Justiça da Infância e Juventude). O ECA estabelece a notificação compulsória por parte dos profissionais de saúde. O descumprimento desse dever configura infração prevista no Artigo 245 do Estatuto:

Art. 245 – Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente. Pena: multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.




Referências Bibliográficas



HEBET, S. & XAVIER, R. “A criança maltratada: aspectos psiquiátricos e traumatológicos”. In: Ortopedia e traumatologia, princípios e prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. Cap. 42, pp. 587-595.

KEMPE, C. H., SILVERMANN, F. N., STEALE, B. F. et al. “The battered child syndrome”. JAMA 181, 1962, pp. 105-112. In: RUARO, Antônio, MEYER, Alexandre Thadeu, AGUIAR, José Antônio Garcia et al. Revista Brasileira de Ortopedia. Vol. 32, Nº 10 – Outubro, 1997.

KENNER, M. E., AZEVEDO, K., RECH, A. et. al. Hiperostose cortical infantil: apresentação de caso clínico. Unidade de CTBMF-HCPA/ Unidade de Oncologia Pediátrica-HCPA/UFRGS, s/d. Disponível em: < https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/720/000366766.pdf?sequence=1 >. Acesso em 26/04/2022.

LUISE, Laura. Aspectos clínicos e legais da síndrome da criança espancada. 15/06/2021. Disponível em: < https://www.sanarmed.com/aspectos-clinicos-e-legais-da-sindrome-da-crianca-espancada-colunistas >. Acesso em 28/04/2022.

MARIA FERREIRA, Camila de. Síndrome da Criança Espancada: o papel do médico frente a violência infantil. 09/11/2020. Disponível em: < https://www.sanarmed.com/sindrome-da-crianca-espancada-colunistas >. Acesso em 26/04/2022.

ROCKWOOD, C. A., WILKINS, K. E. & KING, R. E.: “Abuso infantil”. In: Fraturas em crianças. São Paulo: Manole, 1993. p. 279.

RUARO, Antônio, MEYER, Alexandre Thadeu, AGUIAR, José Antônio Garcia et al. Síndrome da criança espancada: Aspectos legais e clínicos – Relato de um caso2. Revista Brasileira de Ortopedia. Vol. 32, Nº 10 – Outubro, 1997.


1Monte Alto, L.A., Modesto, A., Massao, J.M. et al: Criança maltratada: o que pode ser feito? Rev Bras Odontol – Seção Rio de Janeiro 53: 22-26, 1996.

2Trabalho realizado no Hospital Cemil, de Umuarama, PR, e Clínica de Fratura Ortopédica e Reabilitação. Umuarama Ltda., Umuarama, PR. 


© 2021 Todos os direitos reservados a Wagner Azevedo Pereira (Este texto não pode ser publicado total ou parcial, de qualquer forma ou por nenhum meio sem a autorização do autor – Sujeito às penalidades da Lei nº 9.610/98). 


Nenhum comentário:

Postar um comentário